terça-feira, 27 de abril de 2010

A Origem dos Sentimentos Indígenas ( BRUNO DE ALCÂNTARA )


Aristides e Iasmim
Os Primeiros Indígenas a Amarem, Entristecerem e Sentirem Saudades


Introdução

Em um passado muito distante, próximo ao tempo da criação do universo, conto-te esse conto. Amigo leitor, é uma criação em linguagem antiga e foral, mas leia-o como lê qualquer livro antigo.


I


Bravios mares em um dia ensolarado tocavam o litoral do estado hoje conhecido como Bahia. O forte sol tornava a água um azul cor do céu. Nuvens eram poucas as encontradas no céu daquela tarde de verão. A branca areia encontrava-se com o forte e predominante verde florestal.
Um jovem guerreiro cuja pele era morena como jambo por ali passava. Trazia nas mãos uma lança por ele fabricada, e de ponta bastante afiada. Trazia consigo, além da lança, um peixe. Suas vestes inferiores eram feitas com folhas d’árvore amarradas com cipó. As superiores eram compostas somente por acessórios presos aos seus braços musculosos e queimados pela forte luz do sol. Descalço, não se incomodava com a elevada temperatura que atingia o chão (ou areia) em que estava pisando. Encostou-se em uma enorme pedra e sentou. Pôs o peixe em outra pedra ao seu lado e pôs-se a cantarolar uma melodia indígena.
Neste tempo, os descendentes de Adão e Eva podiam ter sentimentos. Os indígenas não. Desconheciam até a palavra amor. Casavam-se por vontade dos pais e reproduziam-se para perpetuar a espécie. Mas amor, entre eles ou entre casais, jamais existiam. Pais não amavam filhos, filhos não amavam pais, pais não amavam mães.
Uma guerreira atravessou a traseira da pedra. Também morena, também indígena, vestia-se diferente do rapaz. Pinturas tinha pelo corpo. Brincos estavam pendurados em suas orelhas. O mel ou a cana de açúcar não podiam ser mais doces do que o seu sorriso. Eram de tribos diferentes, mas não inimigos. O nome da bela, que tinha cabelos negros como a asa da graúna e extremamente longos, era Iasmim. O jovem guerreiro, cujos olhos eram claros, se chamava Aristides, o produtor das melhores lanças da tribo.
Aristides aparentava estar cansado; respirava fundo e no mais puro silêncio, também mantido por Iasmim, a sua traseira. Porém, esta pisou em uma pedra pontuda e gemeu de dor. Ao ouvir, Aristides jogou-se para trás e preparou sua lança pra ataque; Iasmim retirou uma flecha de um recipiente que estava em suas costas e colocou-a em um arco, apontando-o pra Aristides. Os olhares se encontravam em dúvida.
Com o silêncio já quebrado, Aristides disse linguagem indígena:
- Quem é tu e o que viestes fazer aqui? Moça guerreira desconhecida, embora vai! Briga e confusão não quero nem procuro!
Iasmim, ao ouvir suas palavras, abriu seu doce sorriso e demonstrou-lhe uma perfeita dentição. Aristides sentiu-se envolvido, coisa que desconhecia. Mas não entendeu o motivo da graça.
- Guerreiro é de fora, mas fala língua de Iasmin e meu povo! Disse, em sua linguagem, Iasmim.
Por um instante, Aristides achou que naquela moça deveriam confiar. Sua lança ele jogou para o lado, e com ela voltou a falar:
- Meu pai vem de tua tribo, os Zenaí. Minha mãe é dos Tucuaçá. Sou de tua terra também. Tua língua, com meu pai aprendi falar.
Iasmim calou-se. Ambos se fuzilaram no olhar. Se aproximaram mais um pouco. Aristides percebeu que a Zenaí tinha uma cicatriz em forma de espada. A moça mostrou-lhe novamente o sorriso. Depois, correu e foi em direção a maré. Nadou por um bom tempo, quase meia-hora. Encontrou-se com alguns tipos de peixes. Chegou então a uma ilha cercada pelo oceano atlântico. AO chegar lá, encontrou-se com um pé de maçã e nele subiu. Lá começou a fruta, mas viu, do alto, o Tucuaçá. Pulou e foi ao seu encontro.
- Louco é!
- Por quê?
- Vens a terra do meu povo trajando vestes do teu! Podes ser morto considerado um espião, Tucuaçá!
- Também muito se arriscou quando foi até o meu povo.
- De Iasmin não deve ter preocupação. Pensar devemos no presente. O que é passado, jamais deve ser esquecido, pois ele faz o presente. Mas o que é passado, deve ficar na lembrança. Jamais passará de uma simples memória.
- Ide buscar tinta! Veste-me como um dos teus!
Sorridente, Iasmim desapareceu entre as árvores. Deixou, sozinho, Aristides. Minutos se passavam, e Aristides começou a ficar impaciente. Ouviu, então, algumas vozes.


II

Vinham andando dois Zenaís muito parecidos. Conversavam. Dois homens, pintados como Iasmim. Aristides escondeu-se entre as águas do mar até a saída dos índios e retorno de Iasmim.
- Que houve?
- Dois dos teus por aqui passaram.
- Cuidado.
- Tenho. Tintas?
- Aqui.
Iasmim mostrou-lhe os potes com tinta, puxou-o e pintou-o como um verdadeiro Zenaí. Só de sentir o suave toque das mãos da virgem, Aristides estava Felix. Ao concluir a pintura, modificou suas roupas.
- Obrig ado. Oxe¹... Nem se quer apresentamos eu a tu, muito menos tu a eu.
- Iasmim, neta dos anciões dessa tribo.
- Sou Aristides, melhor fabricante de lanças da região pertencente aos Tucuaçá. Teu nome, vós já tinhas citado.
- Peço-te... Não tive amizades, sois a primeira. Fica aqui, vem morar com Iasmim?
- Claro que sim. Vida dos Tucuaçá é bastante chata. Já pretendo ficar.
Ambos seguiram por entre a neta. Quando lá dentro estavam, enfrentaram inúmeros tipos de plantas, plantas só existentes naquela região, desconhecidos por Aristides. Os olhos de Aristides se encheram de lágrimas ao ver as coisas daquele povo. Armas e moradias completamente diferentes das do seu povo. O chão quente não o fazia sentir dores, nem os arranhões que plantas o fizeram. Pararam de andar quando viram uma cabana um tanto maior. Lá dentro repousava uma senhora, senhora esta mais velha que os dois. Iasmim sorriu ao vê-la e correu ao seu encontro. Ajoelhou-se ao seu lado, pegou a mão esquerda dela e lhe disse:
- Mãe de Iasmim, minha ancestral. Conhece meu novo companheiro, Aristides.
- Ele não é do povo de nós; Ele não é um Zenaí, minha filha, eu posso ver.
- Sei disso, mas pode ser útil a nós Zenaís. É o melhor feitor de lança da terra deles.
- Posso apostar que é um Tucuaçá, certo?
- Sim.
- Falai com teu avô, chefe da tribo. Ele verá a utilidade do guerreiro. Sabemos que será aceito. Depois disso, acho que tenho uma decisão a tomar.
Assentindo, retiraram-se. Seguiram então para a maior cabana de todas, onde dentro estava a chefia, o ancião, o ‘cacique’, Itapoã. Era um velho bem vestido, e seus cabelos ainda não eram brancos, embora sua idade fosse bastante avançada. Era um grande sábio, excelente conhecedor do bem e do mal. Conhecia ali, Aristides, e o bem viu nele. O casal contou-lhes tudo, e Itapoã aceitou-o na tribo. Ao saber disso, Carnaú chamou a atenção de toda a tribo e comunicou:
- Minha filha, neta do nosso Itapoã, casar vai! Seu noivo é o nosso mais novo membro e fabricante de lança, Aristides!

III

Em alguns dias, Aristides casou com Iamsim. Felizes estavam, diferentemente de todos que se casavam. Foi a mais bela cerimônia já realizada pelos Zenaí. O sol iluminou a tarde. Foi em três meses que Iasmim percebeu que a sua barriga estava crescendo cada vez mais, e tirou a conclusão que estava grávida.
- Veja a barriga de Iasmim, Aristides! Eu estou esperando um filho teu!
- Nos abençoaram! Os deuses da lua, do céu e da alegria nos presenteou!
Nasceu, então, Tainá, com oito meses de gestação. A indiazinha era muito semelhante ao seu pai, que ficou muito conhecido com sua habilidade na produção de lanças. Mulata a menina era. Os cabelinhos negros eram negros como o céu noturno. No dia em que completou dois anos, foi atingido por uma terrível doença. Nenhuma dança indígena a curava, muito menos remédios dos curandeiros. Os pais então, não sentiam nada, pois não conheciam a tristeza também. Confiavam na cura da menina. Eles achavam que a perda não era triste nem nada, era só menos um. Mas estavam se amando, e amando a ela.
Numa noite, enquanto passava muito mal a menina, Aristides e Iasmim receberam uma inesperada visita.
Um homem de meia idade, de rosto místico não-identificável, ali surgiu. Tainá desmaiou, mas ele trazia paz ao ambiente, o que acabou com a preocupação dos pais. Quebrando o silêncio, disse:
- “Eu sou Deus, criador de tudo e de todos. Jamais poderiam saber o que é amar sem mim, e se amaram. Sei que não crêem em mim, crêem em outros inexistentes. Mas sei que são capazes de crer em mim. São pessoas boas, merecedoras de meu amor. Vos criei, e respeito-lhes. Indígenas nem acreditam em mim, mas agora, vocês são os primeiros a sentirem o amor. Como não acreditavam em mim, os castigarei. Mostrarei o que indígenas não conhecem. Mostrarei a tristeza e a saudade. Descobrirão agora esses sentimentos. Perdoem-me, mas é preciso. Assim passarão a me adorar, eu sei. Mas pra ela será melhor. Terá paz ao meu lado. Mas vos recompensarei, mandando mais filhos.
E desapareceu.” ²
Aristides e Iasmim prestaram tanta atenção em Deus que esqueceram de Tainá. Quando a olharam, estava morta. A amava, e sentiram a tristeza e a saudade com a sua morte. Mas Deus deu-lhes tranqüilidade, e muitos filhos depois dela. Ali os indígenas conheceram a felicidade e a infelicidade. Mas o primeiro casal indígena apaixonado passaram a acreditar em Deus, e foram felizes. Viviam como Zenaís, mas não tinham essas crenças. Mudaram, eram cristãos. Mas os tristes mereceram ser tristes. Mas pra que tentar desvendar a vida, se sabemos que ela sempre será um enigma.

___IASMIN E ARISTIDES____
Observações e Final


O mito nos conta o primeiro romance de todos os indígenas, estes foram Iasmim e Aristides. Para fazer Iasmim, me baseei em Iracema³. Suas personalidades eram semelhantes. Aristides era um jovem que muito sofria na vida, já que vivia trabalhando pra equipe. O peixe que ele trazia consigo era para os Tucuaçá, que enfrentavam uma terrível crise de fome. Algum tempo depois disso, os Tucuaçás morreram de fome. Os Zenaí se separaram, dando origem a outros grupos indígenas. Houve o grupo Tucuaçá Zenaí Cristão, formado por Aristides e Iasmim. O mito foi escrito em 03/04/2010, e as notas e observações no dia 04/04/2010.
Note que havia uma certa diferença de linguagem entre Aristides, um Tucuaçá, e Iasmim, uma Zenaí.
Notas
¹ OXE – Comum palavra na Bahia, mostrei nesse mito que ela veio dessas tribos.
² Explicação da frase: Deus é o criador de tudo e de todos. Os Indígenas eram descartados dos seus fiéis justamente por não serem seus fiéis. Hoje, existem os indígenas que possuem as próprias divindades e os que acreditam em Deus. Aí, nesse mito, conto como isso aconteceu.
³ IRACEMA – Romance clássico do escritor cearense José de Alencar, maior romancista brasileiro. Narra a história de uma índia e um branco português, um dos mais famosos livros do escritor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário